sexta-feira, 9 de setembro de 2011

"No vácuo de mim eu me despenco. Porque seria
 preciso também abdicar de mim mesmo para 
novamente reconstruir-me. Tornar a escolher os gestos,
 as palavras, em cada momento decidir qual dos meus eus
 assumir. Já esfacelei meu ser, já escolhi as porções que me 
são conveninentes esquecendo deliberado as outras. E são 
elas – serão elas? – que agora se movimentam revoltadas,
 pedindo passagem em gritos mudos, na ânsia de
 transcender limites, violentar fronteiras, arrebentando 
para a manhã de sol. O tremular da chama é um aceno, 
convite para chegar à verdade última e íntima de cada
 coisa.
Não quero. Não posso restar nu, despojado de mim 
mesmo. Não posso recomeçar porque tudo soaria falso e 
inútil. As minhas verdades me bastam, mesmo sendo
 mentiras. Não é mais tempo de reconstruir.
Em luta, meus ser se parte em dois. Um que foge, outro
 que aceita. O que aceita diz: não. Eu não quero pensar no
 que virá: quero pensar no que é. Agora. No que está 
sendo. Porque pensar no que ainda não veio é fugir,
 buscar apoio em coisas externas a mim, de cuja a 
existência não posso duvidar porque não a conheço.
 Pensar no que está sendo, ou antes, não, não pensar, mas 
enfrentar e penetrar no que está sendo é coragem. Pensar 
é fuga: aprender subjetivamente a realidade de maneira a
 não assustar. Entrar nela significa viver.
Sôfrego, torno a anexar a mim esse monólogo rebelde, essa 
aceitação ingênua de quem não sabe que viver é, 
constantemente, construir, não derrubar. De que não
 sabe que esse prolongado construir implica em erros, e
 saber vivier implica em não valorizar esses erros, ou 
suavizá-los, distorcê-los ou mesmo eliminá-los para que o
 restante da construção não seja abalado. Basta uma 
pausa, um pensamento mais prolongado para que tudo 
caia por terra. Recomeçar é doloroso. Faz-se necessário
 investigar novas verdades, adequar novos valores e 
conceitos. Não cabe reconstruir duas vezes a mesma vida 
numa única existência. Por isso me esquivo, deslizo por
 entre as chamas do pequeno fogo, porque elas queimam.
queimar também destrói…"

- Caio Fernando Abreu

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