quinta-feira, 15 de setembro de 2011
“A gente finge que arruma o guarda-roupa, arruma o quarto, arruma a bagunça. Tira aquele tanto de coisa que não serve, porque ocupar espaço com coisas velhas não dá.As coisas novas querem entrar, tanta coisa bonita nas lojas por aí. Mas a gente nuncatira tudo. Sempre as esconde aqui, esconde ali, finge para si mesmo que ainda serve. A gente sabe. Que tá curta, pequeno, apertado. É que a gente queria tanto. Tanto. Acredito que arrumar a bagunça da vida é como arrumar a bagunça do quarto. Tirar tudo, rever roupas e sapatos, experimentar e ver o que ainda serve, jogar fora algumas coisas, outras separar para doação. Isso pode servir melhor para outra pessoa. Hora de deixar ir. Alguém precisa mais do que você. Se livrar. Deixar pra trás. Algumas coisas não servem mais. Você sabe. Chega. Porque guardar roupa velha dentro da gaveta é como ocupar o coração com alguém que não lhe serve. Perca de espaço, tempo, paciência e sentimento. Tem tanta gente interessante por aí querendo entrar. Deixa. Deixa entrar: na vida, no coração, na cabeça.”
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
domingo, 11 de setembro de 2011
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Preciso de alguém, e é tão urgente o que digo. Perdoem excessivas,
obscenas carências, pieguices, subjetivismos, mas preciso tanto e tanto.
Perdoem a bandeira desfraldada, mas é assim que as coisas são-estão dentro-fora
de mim: secas. Tão só nesta hora tardia – eu, patético detrito pós-moderno
com resquícios de Werther e farrapos de versos de Jim Morrison,
Abaporu heavy-metal -, só sei falar dessas ausências que ressecam as
palmas das mãos de carícias não dadas. Preciso de alguém que tenha
ouvidos para ouvir, porque são tantas histórias a contar. Que tenha boca para,
porque são tantas histórias para ouvir, meu amor. E um grande silêncio
desnecessário de palavras. Para ficar ao lado, cúmplice, dividindo o astral,
o ritmo, a over, a libido, a percepção da terra, do ar, do fogo, da água,
nesta saudável vontade insana de viver. Preciso de alguém que
eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente
do outro lado e sentir uma resposta como – eu estou aqui, eu te toco também.
Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da concha que você habita,
e da qual te salvo, meu amor, apenas porque te estendo a minha mão.
No meio da fome, do comício, da crise, no meio do vírus,
da noite e do deserto – preciso de alguém para dividir comigo esta sede.
Para olhar seus olhos que não adivinho castanhos nem verdes
nem azuis e dizer assim: que longa e áspera sede, meu amor.
Que vontade, que vontade enorme de dizer outra vez meu amor,
depois de tanto tempo e tanto medo. Que vontade escapista e burra
de encontrar noutro olhar que não o meu próprio – tão cansado, tão causado –
qualquer coisa vasta e abstrata quanto, digamos assim, um Caminho.
Esse, simples mas proibido agora: o de tocar no outro.
Querer um futuro só porque você estará lá, meu amor.
O caminho de encontrar num outro humano o mais humilde de nós.
Então direi da boca luminosa de ilusão: te amo tanto.
E te beijarei fundo molhado, em puro engano de instantes
enganosos transitórios – que importa?
(Mas finjo de adulto, digo coisas falsamente sábias, faço caras sérias,
responsáveis. Engano, mistifico. Disfarço esta sede de ti,
meu amor que nunca veio – viria? virá? – e minto não, já não preciso.)
Preciso sim, preciso tanto. Alguém que aceite tanto meus sonos
demorados quanto minhas insônias insuportáveis.
Tanto meu ciclo ascético Francisco de Assis quanto meu ciclo etílico bukovskiano.
Que me desperte com um beijo, abra a janela para o sol ou a penumbra.
Tanto faz, e sem dizer nada me diga o tempo inteiro alguma
coisa como eu sou o outro ser conjunto ao teu, mas não sou tu,
e quero adoçar tua vida. Preciso do teu beijo de mel na minha
boca de areia seca, preciso da tua mão de seda no couro da minha mão
crispada de solidão. Preciso dessa emoção que os antigos chamavam de amor,
quando sexo não era morte e as pessoas não tinham medo disso que
fazia a gente dissolver o próprio ego no ego do outro e misturar coxas
e espíritos no fundo do outro-você, outro-espelho, outro-igual-sedento-de-não-solidão, bicho-carente, tigre e lótus. Preciso de você que eu tanto amo e nunca encontrei.
Para continuar vivendo, preciso da parte de mim que não está em mim,
mas guardada em você que eu não conheço. Tenho urgência de ti, meu amor.
Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar,
para me tocar e no toque me salvar. Preciso ter certeza
que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição,
não mera loucura. Ah, imenso amor desconhecido.
Para não morrer de sede, preciso de você agora, antes destas palavras
todas cairem no abismo dos jornais não lidos ou jogados sem piedade no lixo.
Do sonho, do engano, da possível treva e também da luz, do jogo, do embuste:
preciso de você para dizer eu te amo outra e outra vez.
Como se fosse possível, como se fosse verdade,
como se fosse ontem e amanhã.
- Caio Fernando Abreu
Crônica publicada no “Estadão” Caderno 2 de 29/07/87
"Ela não suportou olhar tanto tempo. Virou de costas,
debruçou-se na janela, feito filme: Doris Day, casta porém
ousada. Então ele veio por trás: Cary Grant, grandalhão
porém mansinho. Tocou-a devagar no ombro nu moreno
dourado sob o vestido decotado, e disse:
- Sabe, eu pensei tanto. Eu acho que.
Ela se voltou de repente. E disse:
- Eu também. Eu acho que.
Ficaram se olhando. Completamente dourados, olhos
Ela se voltou de repente. E disse:
- Eu também. Eu acho que.
Ficaram se olhando. Completamente dourados, olhos
úmidos. Seria a brisa? Verão pleno solto lá fora.
Bem perto dela, ele perguntou:
- O quê?
Ela disse:
- Sim.
Puxou-o pela cintura, ainda mais perto.
Ele disse:
- Você parece mel.
Ela disse:
- E você, um girassol.
Estenderam as mãos um para o outro. No gesto exato de
Bem perto dela, ele perguntou:
- O quê?
Ela disse:
- Sim.
Puxou-o pela cintura, ainda mais perto.
Ele disse:
- Você parece mel.
Ela disse:
- E você, um girassol.
Estenderam as mãos um para o outro. No gesto exato de
quem vai colher um fruto completamente maduro."
- Caio F. Abreu in "Os Dragões não conhecem o Paraíso"
- Caio F. Abreu in "Os Dragões não conhecem o Paraíso"
"No vácuo de mim eu me despenco. Porque seria
preciso também abdicar de mim mesmo para
novamente reconstruir-me. Tornar a escolher os gestos,
as palavras, em cada momento decidir qual dos meus eus
assumir. Já esfacelei meu ser, já escolhi as porções que me
são conveninentes esquecendo deliberado as outras. E são
elas – serão elas? – que agora se movimentam revoltadas,
pedindo passagem em gritos mudos, na ânsia de
transcender limites, violentar fronteiras, arrebentando
para a manhã de sol. O tremular da chama é um aceno,
convite para chegar à verdade última e íntima de cada
coisa.
Não quero. Não posso restar nu, despojado de mim
mesmo. Não posso recomeçar porque tudo soaria falso e
inútil. As minhas verdades me bastam, mesmo sendo
mentiras. Não é mais tempo de reconstruir.
Em luta, meus ser se parte em dois. Um que foge, outro
que aceita. O que aceita diz: não. Eu não quero pensar no
que virá: quero pensar no que é. Agora. No que está
sendo. Porque pensar no que ainda não veio é fugir,
buscar apoio em coisas externas a mim, de cuja a
existência não posso duvidar porque não a conheço.
Pensar no que está sendo, ou antes, não, não pensar, mas
enfrentar e penetrar no que está sendo é coragem. Pensar
é fuga: aprender subjetivamente a realidade de maneira a
não assustar. Entrar nela significa viver.
Sôfrego, torno a anexar a mim esse monólogo rebelde, essa
aceitação ingênua de quem não sabe que viver é,
constantemente, construir, não derrubar. De que não
sabe que esse prolongado construir implica em erros, e
saber vivier implica em não valorizar esses erros, ou
suavizá-los, distorcê-los ou mesmo eliminá-los para que o
restante da construção não seja abalado. Basta uma
pausa, um pensamento mais prolongado para que tudo
caia por terra. Recomeçar é doloroso. Faz-se necessário
investigar novas verdades, adequar novos valores e
conceitos. Não cabe reconstruir duas vezes a mesma vida
numa única existência. Por isso me esquivo, deslizo por
entre as chamas do pequeno fogo, porque elas queimam. E
queimar também destrói…"
- Caio Fernando Abreu
"Às vezes digo coisas ácidas e de alguma forma quero te
fazer compreender que não é assim, que tenho um medo
cada vez maior do que vou sentindo em todos esses
meses, e não se soluciona, mas volto e volto sempre, então
me invades outra vez com o mesmo jogo e embora supondo
conhecer as regras, me deixo tomar inteiro por tuas
estranhas liturgias, a compactuar com teus medos que
não decifro, a aceitá-los como um cão faminto aceita um
osso descarnado, essas migalhas que me vais jogando
entre as palavras e os pratos vazios (…) Tornarei sempre
a voltar porque preciso desse osso, dos farelos que me têm
alimentado ao longo deste tempo, e choro sempre
quando os dias terminam porque sei que não nos
procuraremos pelas noites, quando o meu perigo aumenta."
Caio F. Abreu in “Os Dragões não Conhecem o paraíso”.
terça-feira, 6 de setembro de 2011
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